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Abelha

por Luciana Battelli

Ah, as abelhas! Adoro!
Observá-las sempre me inspirou. Desde criança.
Fui uma criança retraída [algumas pessoas falariam que eu era tímida, mas, hoje, sei que não].
Aos 10 anos já conhecia diferentes espécies com seus nomes populares e seus modos de organização. Retraída que era, me identificava com as abelhas que não formam sociedades nem constroem colmeias. Elas vivem em pequenos buracos no solo, em barrancos ou em troncos “moles”.

Quando fiz Biologia, pude descobrir que meus animais preferidos eram também “nativas”, ou seja, já estavam aqui muito antes dos “colonizadores” chegarem. O nome dessas abelhas é lindo: abelhas solitárias indígenas. E elas são muito variadas em tamanhos, cores e sons.

Aprimorando meus estudos, acabei por gostar de muitas outras abelhas, inclusive as sociais. Após a graduação, estudei por um tempo no Laboratório de Abelhas da Bio. Impossível não segurar a paixão que cresceu pelas indígenas.
 
No Lab. de Abelhas, as caixas com tampas de vidro me permitiam observar as Meliponas quadrifasciatas (nome científico das abelhas mais lindas do mundo) em seus ninhos sem perturbá-las. Emocionava-me ver a construção vagarosa dos potes de alimentos em formato arredondado cuidadosamente organizados em um canto da caixa. Em alguns potes era possível ver o acúmulo de um mel claro e pouco viscoso [que tive o privilégio de experimentar algumas vezes] e, em outros potes, o armazenamento de vários grãos de pólen amarelos e bancos.

Cada grão de pólen é uma complexa estrutura de reprodução das angiospermas [tem também nas gimnospermas, mas elas não interessam para as melíponas], e pode ser considerado um ser, um organismo que carrega os gametas masculinos – um gametófito. É um ser haploide [tem só a metade de informação genética necessária para gerar uma nova planta] criado com o objetivo de encontrar-se com o gametófito feminino – o óvulo. Apresenta-se de tamanho diminuto podendo ser carregado facilmente por um ser igualmente diminuto em um processo que move a vida na Terra – a polinização.

Após o encontro promovido pelas abelhas, os gametófitos liberam seus gametas e forma-se o embrião em uma semente protegida pelos frutos. Sementes e frutos não são alimentos de abelhas. O pólen é sua fonte de proteína e o mel é sua fonte de carboidratos.

O mel é um alimento completo, pois permite a nutrição, a desinfecção e até o desenvolvimento de órgão reprodutor em uma larva que será uma futura fêmea rainha, já que são as operárias que decidem quando e como isso acontecerá. Presentes em grande quantidade, as fêmeas operárias dominam todos os processos do ninho. Inclusive as coletas fora dele.

Nenhuma coleta é mais linda que a coleta do pólen. Retirados das flores com cuidado, e nunca em excesso, vários grãos são colocados na corbícula, uma pequena reentrância nas patas traseiras das abelhas. A quantidade de pólen tem que ser igual nas duas patas para não comprometer o voo. Essa coleta de pólen é um dos mecanismos da polinização – o processo que move a vida na Terra.

Observar todo mecanismo da sociedade formada pelas abelhas sociais é muito significativo e me remete ao nosso modelo social em que é “cada um por si e Deus por todos”. [Para muitos é só “o cada um por si” mesmo. E percebo que agora, mais do que nunca, a luta por uma sociedade mais igualitária e justa fica restrita a grupos cada vez mais reprimidos e desconsiderados].

Observar o cuidado das abelhas em coletar apenas o que necessitam sem exceder suas necessidades é muito significativo e me remete ao consumo desenfreado de tudo o que existe e que é produzido. [A falta de senso crítico leva as pessoas a acreditarem que ter opções de consumo é bom, sendo que na verdade o ideal é ter a opção de não consumir].

Observar as trocas mútuas entre as angiospermas e as abelhas é muito significativo e me remete a como não é possível uma vida humana sem a presença de outros humanos. Somos animais sociais e acredito que se todos nós percebermos, em algum momento, que realmente vivemos em uma sociedade e que todos nós somos dependentes, de alguma forma, de nós mesmos e dos sistemas terrestres, teremos a chance de viver em um mundo humano justo. Se isso não acontecer rapidamente, o mundo humano acabará.

Mas o mundo estará aqui ainda, e as abelhas e as angiospermas também. E todas as poesias do armazenamento em potes arredondados, da coleta do pólen e das relações mútuas entre seres estarão, enfim, preservadas...

Luciana Battelli é professora de biologia, estudante de Geociências Trekkinista e caminhante da vida. Amante de abelhas, observadora da natureza e cronista nas raras horas vagas.